nucibus relictis...

terça-feira, dezembro 20, 2005

Insónias

Não consigo dormir…
- Novamente! – acrescentas em jeito de gozo. Pareces quase brincar com o meu cansaço.
Sento-me nesta velha cadeira. O monótono branco da parede deixa de o ser à medida a que submirjo na recordação do pôr-do-sol. Aquele mar calmo, a leve brisa temperada com os raios de sol no meu rosto… Estava só naquele dia, tal como noutros tantos dias…
Há escolhas que fazemos. Talvez tenha escolhido isso mesmo, a solidão. Um projecto de vida pouco ambicioso… mas seguro… Pelo menos é essa a desculpa que me ofereço todos os dias quando acordo e penso.
O risco, que risco? – pergunto-me inúmeras vezes. Sou de imediato assaltada pelo medo… Fico apreensiva. Não quero passar tudo de novo… dói tanto…
Quando perdemos as pessoas que amamos, quando o tempo é demasiado curto e o presente quase o passado… por vezes, temos medo de voltar a amar novamente.
Tenho medo, muito medo…
É fácil sentir o corroer da paixão, mas é difícil predispor-me a amar numa entrega total... e por isso fujo…
Às vezes pergunto-me quantas vezes terei enganado a felicidade sob o pretexto de um “não posso”, ou ainda de um “estou cansada, fico por aqui hoje”. Penso sempre que amanhã será diferente, desculpando a minha cobardia para sentir.
Guardo-te como um álbum a uma fotografia. Fazes parte de mim… mas já não te amo… habituei-me à tua presença constante, à recordação, aquele último dia em que apressadamente te despediste de mim, certo que nos veríamos no dia seguinte. E esse dia nunca mais chegou…
Desde então, amigos nossos juraram nunca se despedir assim, de forma aligeirada… porque se aquele for último, nada mais haverá a dizer ou a sentir que não houvesse sido dito ou sentido…
E se este dia, esta noite for a minha última? – pergunto-me… Não fiz nada, não construí nada! - a não ser amar o que restou e finalmente o que já nem sequer existe... porque o tempo o levou.
Decidi que vou arrumar-te na prateleira das minhas recordações. Deixar-te-ei na estante, aquela a que nunca limparei o pó ou voltarei. Preciso de abandonar a vida morna, a de quem quase fez… mas nunca realizou.
Deixo-te assim…
Conheci um menino, um pequeno menino, que sonha. Os sonhos dele têm asas, voam na plenitude da imaginação, de tal forma que se transformam em realidade. Ele não desiste, persegue-os com uma paixão avassaladora inexplicável…
Observo-o por vezes. Quão grande é e o quanto me tem ensinado, sem tampouco se aperceber…
Ouço-o. O seu discurso entusiasta, os esforços que faz e as acções que leva a cabo para transformar as suas causas em realidades. Durante esse tempo fito com reflexão um qualquer objecto e concluo já não me lembrar da última vez que experimentei o entusiasmo do sonho, da sua materialização na realidade, ou somente de o tentar... assumo uma palidez quase mórbida…
Chegou o momento de perder o medo da liberdade, essa mesma liberdade de sentir, ser, existir… de construir um percurso voluntário. Deixar para trás as areias movediças nas quais existi durante anos…
O tempo… diz-se que ele tudo cura, ou atenua… Não sei!! Apenas sinto que ele nunca é curto para quem viveu, para sentiu, para quem amou derradeiramente...
Se me resta pouco ou muito, também não interessa. Não posso recuperar o que foi deixado para trás, mas posso traçar um novo percurso a seguir, viver e não “vivendo”…

nucibus relictis, quando deixamos de jogar as nozes, isto é, quando deixamos de ser crianças foi afinal apenas o reflexo de uma metamorfose que se adivinha concluída. No entanto,
…talvez o único momento em que realmente aproveitamos tudo o que a vida nos dá é exactamente quando somos crianças…
…talvez precisemos guardar a criança existente em nós, cuidar dela, para que nunca se apague da memória e do coração…
…talvez seja essa a fórmula da verdadeira felicidade… a inocência, a simplicidade e o sonho…