nucibus relictis...

quarta-feira, dezembro 28, 2005

A Despedida

Um ano passou…

Há alturas de terminar, de cortar os laços com o passado.

Releu o sombrio das palavras que deixaria para trás no velho caderno… as emoções… os tormentos… os momentos fugazes… as alegrias e as paixões…

Tudo isso iria abandonar.

Calmamente disse-lhe:

- Não quero voltar! Quero agarrar as minhas tralhas e descobrir um mundo novo… onde a única marca do passado serei eu mesma…

Ainda não encontrei a fórmula da felicidade, apenas palhaços do seu próprio circo… onde talvez eu seja a personagem mor… Estou farta!

Os seus olhos tocavam o chão à medida que o seu murmúrio ecoava na sala. Nesse momento, ele sentiu um arrepio na espinha. Não sabia o que lhe dizer. Sentou-se no chão, a seu lado… mas a distância que os separava era maior do que a que os unia. As paredes brancas pareciam afunilar-se numa qualquer imensidão inexplicável onde mergulhavam.

Ousou naquele momento tentar confortá-la. Abraçou-a em silêncio. Sentiu cair-lhe uma lágrima. Minutos depois ergueu-se e contemplou-a.

Frente a frente pode perceber a sua expressão grave. Ela levantou-se. Deslocou-se para uma ponta da sala onde se encostou, como se procurasse refugiar-se dele, ou simplesmente, como se a sua presença a impedisse de partir.

- Como posso ousar em ajudar os outros a “arrumar a sua casa” se a minha “está às avessas”? Como posso ser útil, se neste momento me sinto perdida?! É por isso que parto, que me ausento, é por isso que não voltarei… não tão cedo. Não posso e simplesmente não quero.

Fitou-a e perguntou-lhe: - Do que foges? O que queres afinal? Não entendo…

- Não quero ser importante... respondeu-lhe.

Apenas uma sombra anónima que encontras em qualquer rua ou cruzamento, quando vais para casa ou para o trabalho… É verdade que para onde quer que vá encontrarei cansaço, solidão, temor… mas não serei mais o “erro”…

Nesse momento os olhos dele arregalaram-se. – Mas que erro? Qual erro? Não percebo do que estás a falar!

Ela contemplou-o. Percebeu o quão amigo ele era e o quão a desejava ajudar. Mas como lhe iria explicar estar farta de ser o erro na vida de outros. Durante uns segundos olhou em seu redor. Pegou num cigarro. Acendeu-o nervosamente e freneticamente desabou.

- Errar sim, é legítimo, ser o erro NUNCA! Cansei-me do “foi um erro” ou do “seria um erro”… Tenho o direito de escolher o que sou, quem sou e o que quero… Estou farta, estou cansada! Simples! Não te consigo explicar… adiantou.

- Apenas quero procurar o meu caminho, longe daqui. É uma opção minha a que tenho direito.

- Acho que estás a fugir. Mas ainda não percebi bem do quê? O que te incomoda tanto. Retorquiu-lhe ele apressadamente.

- Eu não estou a fugir. Estou apenas a tentar um novo caminho, uma nova forma, um novo lugar, quando já tudo falhou. Estou cansada da semelhança das derrotas sofridas aqui, estou cansada dos mesmos argumentos, dos mesmos dias e noites, …iguais a eles mesmos… Quero construir a minha oportunidade, e nada me prende já cá.

- E os teus amigos? Nós não somos já parte da tua vida?

- São! E serão sempre porque saberão respeitar a minha decisão. Porque me verão nos vossos corações e porque sei que farei parte de cada um de vós. Porque os reais amigos não abandonam outros, independentemente da distância e das escolhas que fazem.

- Não é que da forma como falas parece que já nada aqui interessa, ou que tudo é banal… Eu quero perceber-te. Preciso compreender porque subitamente resolveste ir embora.

- Estou cansada é só isso. Sinto-me mais só do que nunca. Desanimada mesmo… Tenho medo! Muito medo de não sonhar, de viver no vazio, do quase. O quase atormenta-me. Quem quase morreu, está vivo… quem quase sorriu, chora… percebes?!

Apagou o cigarro vagarosamente. Contemplou o cinzeiro submersa em pensamentos. Um turbilhão de emoções inundava-lhe a alma. Dirigiu-se a ele abraçou-o e beijou-lhe o rosto.

Lentamente afastou-se. Gotas cristalinas teimavam em percorrer-lhe a face, mas nada a demovia, nem a saudade que principiava já sentir. Agarrou nas malas, abriu a porta e saiu sem hesitar.

Já cá fora num monólogo em surdina convenceu-se: - Vai tudo correr bem...